A REVOLUCIONÁRIA UMBANDA: 105 ANOS DE LUTA E TRANSFORMAÇÃO

15/11/2013 15:37

 

 

Por Alanna Souto

O dia 15 de novembro marca não só a proclamação da república brasileira, a qual o povo assistiu “bestializado”, mas também é o dia em que o povo se ressignifica, passa ter voz, representação e legitimidade em uma religião fora dos moldes conservadores institucionais.

É o nascimento da umbanda, uma religião genuinamente brasileira que está fazendo 105 anos de existência nesses planos terrenos. Para os seguidores, adeptos, simpatizantes ou estudiosos dessa religião a história de sua fundação faz parte de sua memória coletiva onde o grande ser humano e líder espiritual Zélio Fernandino de Moraes é lembrado e festejado por ter sido o grande anunciador e fundador da religião por meio do caboclo das 7 encruzilhadas no estado do Rio de Janeiro em 1908.  Desafiou lideranças kardecistas da época ratificando a comunicação com espíritos de “roupagem popular”: Caboclos, Pretos velhos e erês, pautada na miscigenação cultural, sem distinção de cor, credo, classe social e gênero. Por isso, também, reconhecida como uma religião de matriz universal.  O sacerdote Zélio plantou a semente que frutificou por todo país, e atualmente, ultrapassando fronteiras nacionais alcançando adeptos de outros países.

É sabido da maioria que a umbanda é uma religião recente no que concerne a organização terrena quando comparada a formação milenar de outras religiões monoteísta, a exemplo do cristianismo, judaísmo ou islamismo. Contudo, em termos astrais, filosóficos e na prática de cultos ritualísticos, a umbanda já vem se organizando há mais de 700 mil anos (a.c), quem investigou essas raízes longínquas de forma mais profunda, logo depois do falecimento do precursor da umbanda em 1975, foi Woodrow Wilson da Matta e Silva (mestre Yapacani) que sempre procurou solidificar e dar um novo direcionamento ao movimento umbandista, pois era um grande pesquisador e mestre iniciado no Astral. Sua primeira obra “A umbanda de todos nós” já expõe os conceitos sobre Aumbandan (lei divina em ação), depois de muitas pesquisas. Também trata de épocas remotas da Lemúria e da Atlântida, solidificando os ensinamentos da chamada Umbanda esotérica. Ou seja, essa análise que a umbanda é “um novo, velho” já foi muito bem debatida no século passado pelo sério, estudioso e mestre Yapacani, além das pesquisas mais recente de Alexandre Cumino em sua obra “  A história da umbanda- Uma religião brasileira” e por Roger Feraudy na obra “Umbanda, essa desconhecida”. 

Portanto falácia, manipulação e má fé quem se apropria dessas concepções já antigas dizendo que são ideias suas e dos seus supostos “guias” ministrando aulas por aí, mexendo com as cabeças de seus adeptos a não questionarem e não pensar por si mesmo, o que é um crime existencial, o que muito bem a grandiosa maga da filosofia política Hannah Arendt chamou brilhantemente de banalidade do mal, tudo aquilo que distorce e inibi a capacidade de pensar, elaborar um juízo crítico e reflexivo. Um tumor maligno que vem se consolidando em todos os círculos que envolvem poder há muitos séculos, das ideologias ás instituições religiosas.

Afinal, indaga a filósofa, a capacidade de pensar, analisar, refletir sobre qualquer acontecimento pode condicionar as pessoas a não praticarem o “mal”? ( a citar, intolerâncias, perseguições e todos os tipos de violências simbólicas, espirituais,psíquicas ou físicas, dentre outros) Ou será, diz Arendt, que se pode detectar uma das expressões do mal, qual seja, o mal banal, com fruto do não-exercício do pensar? Eis as questões. O quão profundo devemos analisar a questão do vínculo entre o pensar e o agir. Todo cuidado é pouco, e quando se trata do âmbito religioso-ideológico redobra-se a cautela, afinal o fanatismo é o nazi-fascismo da fé, com seus generais totalitários a ordenar e os soldadinhos (não pensantes) a executar suas ordens por mais perniciosas que sejam.

Nessa perspectiva podemos afirmar que a umbanda surgiu na Terra com objetivo de respeitar todos os povos e todas as formas de pensar, sem julgar severamente ninguém, mas sim transformar internamente e externamente, alma e corpo, mente e mundo...não é uma religião de salvação e sim de libertação de todos os nossos grilhões. Ou seja, uma espécie de “anti-religião”, pois se propõe agregar a diversidade de todos os sistemas espirituais “bebendo” nas fontes mais essenciais dessas escolas iniciáticas (judaísmo, cristianismo, budismo, sofismo islâmico, cultos de nações africanas, teosofia, Kabbalah, etc.) as quais são distribuídas na composição de sua tríade: caboclos, pretos velhos e erês, além de adentrar na linguagem das classes populares, não á toa à maioria dos terreiros e tendas localizam-se na periferia das cidades.

É sempre importante ratificar que a umbanda surgida em 1908 é uma religião monoteísta (crer num D`us só, único e universal) a qual tem os orixás e guias, obedecendo, obviamente, suas posições hierárquicas em sua cosmogonia,  fazendo parte como “entes” que auxiliarão a humanidade na conexão e no caminho de volta a morada do Amado, livre da matrix . Uma religião eminentemente ecológica alicerçada no respeito ao livre-arbítrio e a vida, portanto, na umbanda tradicional, pelo menos em tese, não se faz nenhum tipo de serviço que envolva mexer com as escolhas do próximo ou muito menos se cobre pelos mesmos, não há também nenhum tipo imolação a nenhum ser vivo, não possui uma bíblia oficial, sua fonte é a natureza.  E de forma muito sábia e simples Zélio Fernandino nos definiu essa religião: “é a manifestação do espírito para a prática da caridade”.

Do ponto de vista histórico da luta pelo reconhecimento da cultura dos povos tradicionais a umbanda surge com um papel fundamental acolhendo muitos cultos ritualísticos dos povos miscigenados (indígena, negro e branco) no Brasil desde período das invasões europeias nas Américas, perseguidos e violentados secularmente pela ortodoxia religiosa eurocêntrica, muitos desses cultos abraçam a umbanda como religião e passam se organizar e lutar junto com os irmãos afro-religiosos pelo respeito e reconhecimento de suas sabedorias milenares sendo seus adeptos de suma importância nos processos de conquista da legalização de templos umbandistas, bem como os de matriz africana. Não sendo coincidência, o precursor da umbanda, Zélio Fernandino de Moraes teve uma participação importante no cenário político como vereador de sua cidade em São Gonçalo- RJ.

O dia de hoje, 15 de novembro, marca não somente o nascimento de uma religião e sim a luta de todos os povos oprimidos por seus colonizadores, um dia em que o povo passou a ter voz , um dia em que seus fiéis adeptos , simpatizantes e estudiosos devem reverenciar a D`us e seus “entes” por mais um caminho, uma porta a atravessar nos passos rumo a revolução da alma e da vida, por um mundo mais justo e menos desigual. E quem sabe um dia a umbanda possa ser reconhecida e referendada como patrimônio cultural do “continente” chamado Brasil.

 

Saravá ,Umbanda!

Zélio Fernandino de Moraes, presente!

 

 

 

Tópico: A REVOLUCIONÁRIA UMBANDA: 105 ANOS DE LUTA E TRANSFORMAÇÃO

Nenhum comentário foi encontrado.

Novo comentário