CANTO PARA XANGÔ: EM TEMPOS DE LUTAS SOCIAIS NO BRASIL

24/06/2013 10:30

 

 

 

Profa.Msc. Alanna Souto.

No dia 24 de junho em muitos estados do Brasil comemora-se o dia de São João Batista, em outros lugares, São Pedro ou São Gerônimo, todos sincretizados em Xangô. Cada um desses santos são faces do Senhor da “machada”: São João Batista, a face da misericórdia e da confirmação do espírito; São Pedro é a face da justiça, seja para punir, harmonizar ou perdoar, o senhor da pedra, o detentor das chaves dos reinos dos céus, “e tudo que ligares sobre a terra será ligado também no céu, e tudo que desligares na terra será também desligado no céu" (Mt.16 13-20); São Gerônimo, é a face da sabedoria, do “mago ermitão”; do controle dos instintos e da beleza impávida do conhecimento,o grande “leão”. Há quem associe ainda á Moisés e suas tábuas da Lei. Xangô transcende todos eles por ser Orixá, emanação divina co-criadora do equilíbrio em todos planos que compõe o mundo e o cosmo, do físico ao espiritual, do concreto ao abstrato, do indivíduo ao coletivo, assim por diante.

Em tempos de conflitos no Brasil e no mundo, todos clamando por justiça, dignidade e tantas outras melhorias diante de tantos descasos sociais não tem como não lembrar e invocar por Xangô, orixá, emanação divina da manifestação do Trono Masculino da Justiça, irradia justiça o tempo todo, de forma passiva [em termos de atuação energéticas] não forçando ninguém a vivenciá-la, mas dando sustentabilidade a todos que a buscam. Aliás, nenhum Orixá, sendo emanações do Criador, força alguém seja lá o que for, mas sim fornecem instrumentos e alicerces para que realizem, curem e se libertem, seja de forma mais passiva ou ativa.

É por esse equilíbrio e sabedoria de Xangô, digo de forma simbólica, que estiveram presente em diversos momentos de conquistas históricas no país, sabendo a hora exata de empunhar o machado, executar a tão almejada justiça social mal dirigida por quem está no Poder público, aquecendo com fogo o coração do povo, a voz popular é o raio e trovão lançado por Ele, o grande Rei justo dando força e coragem a massa insatisfeita, faminta e sedenta por reconhecimento de seus direitos.

Há mais de 400 anos atrás escravos rompiam com a “Casa Grande” deixando pra trás a senzala e se organizavam em quilombos, negros e negras, “crioulos” e “crioulas”, índios e caboclos, inclusive, independentes de suas distintas “bandeiras” e origens culturais, uniam-se e readaptavam suas moradas para combater o câncer da escravidão e o desumano trabalho compulsório indígena no Brasil colonial, alguns chamados de mocambos, grandes comunidades construídas nas entranhas das florestas ou nos arredores das cidades de Norte á Sul do país. 

Não tem como negar o poder de resistência dessas organizações para o enfraquecimento e o fim do poder escravagistas no país, a forma de sua “organicidade”, o reconhecimento e a unidade de suas diferentes identidades, “negociação e conflito”, são aspectos simbólicos que compõe a força de Xangô seguindo rente nas estruturas sociais desses lutadores oprimidos, sobretudo, para com aqueles que reverenciam seu “Axé”, seja de origem Afro ou não, afinal o arquétipo de Xangô pode ser encontrado em diversas culturas muda-se apenas os nomes: Zeus, Deus grego; Júpiter, Deus Romano; Hórus, divindade masculina egípcia; Shiva, o “auspicioso”, terceira pessoa na Trindade hindu (Brahma, Vishinu e Shiva) responsável pelo aspecto da destruição e transformação; Thor, divindade nórdica, masculina, do trovão e da Justiça. Carrega seu martelo para fazer a justiça prevalecer sempre; dentre outras divindades do panteão cultural divino do mundo. 

Contudo há uma luta na história desse país que é pouco lembrada, mesmo pelos seus conterrâneos, exceto meus colegas de ofício que volta e meia estamos a recordar dessa grande luta entre fontes, “meditação” ou mesas de bar, a qual me faz lembrar um pouco dessa efervescência social que hoje estamos a passar, que foi a Cabanagem na Província do Grão Pará, correspondia os atuais estados do Pará e Amazonas, obviamente não no aspecto de suas causas em si, mas na forma que se compôs e se organizou o movimento cabano, afinal não vou cometer o anacronismo de igualar os dois eventos. Dois séculos há atrás, outra mentalidade e outra estrutura política.  

Os cabanos visavam claramente o rompimento com a estrutura política, ricos, medianos e pobres insatisfeitos com quadro social que se encontravam e com o tratamento que lhe dirigiam o governo central a começar pelo processo de adesão da Província do Grão-Pará ao governo de D. Pedro I que foi penosa e violentamente imposta, dando-se somente a partir de agosto de 1823. Desse ano até 1840 instalou-se no interior e na capital uma série de levantes populares em protesto contra as péssimas condições de vida, a carestia dos preços e o controle político exercido pela elite de comerciantes portugueses. Desses levantes participaram mulatos, negros libertos, índios, além de soldados descontentes com o baixo soldo, com o poder central e com as autoridades locais. E apesar da tomada vitoriosa do poder local por parte dos cabanos o movimento carecia de um programa consistente e focalizado, além dos grandes conflitos internos à medida que no interior do movimento as elites começavam a se posicionar ao lado do governo regente e se voltando para seus próprios interesses. E mesmos a ala popular radicalizando e assumindo a direção do governo com líderes do povo, como Eduardo Angelim ou mesmo os irmãos Vinagre, não tiveram o equilíbrio e a sabedoria tática para construir um programa estruturado que unisse todos os grupos que nele faziam parte, o qual muito contribuiu para a queda e a derrota dos cabanos que por fim foram violentamente dizimados pelas tropas regentes.

É justamente nesse ponto do foco, da construção de uma pauta consistente e pela unificação do movimento que hoje peca e se enfraquece as revoltas sociais que se espalharam por todo país, a ausência do senso de equilíbrio de Xangô. Diferente da Cabanagem que nasce com objetivo de romper com as infras e super estruturas políticas, tendo assim caráter de revolução, os protestos e as manifestações que atualmente ocorreram ,a priori, surgiram de uma pauta específica o transporte público e a reivindicação do passe livre em SP,inclusive, conseguindo barrar o aumento da tarifa do transporte, vitória! Todavia não demorou muito para que esse movimento tomasse um corpo maior, aonde cada vez mais manifestantes iam para as ruas com cartazes solicitando melhorias sociais para outras áreas tão frágeis no país, da educação aos direitos humanos, dessa aglomeração composta por diversos atores sociais, de diferentes faixas etárias e classes sociais passam a se reunir e pautar um calendário de luta por todo país.

O movimento cresce vertiginosamente, afinal em tempos da pós-modernidade a “propaganda é alma do negócio”, passando a ser mobilizado massivamente nas redes sociais o que acabou atraindo muitos jovens até mesmo aquela juventude não habituada com o debate político e não tão antenada com a história do país acabando por incitar um clima de ódio diante das organizações, especialmente, partidos políticos, incluindo atos de violência para com esses manifestantes e a depredação do patrimônio público. A internet é uma arma traiçoeira, seja para transformar ou para destruir, seja para abençoar ou amaldiçoar.

Saudosos anos 1980-90 onde a mobilização era feita mano a mano, não os vivi pela minha pouca idade nesse período, mas meu ofício me permiti a relembrá-los, em especial, quando em sala de aula, passava-se nas escolas, distribuía-se panfletos, ocupavam-se os espaços públicos sem depredá-los, consciente da memória de sua cidade, o enfrentamento com a polícia era um mecanismo de defesa e não de ataque. Aliás, com uma polícia truculenta que temos a qual não pensa duas vezes em atirar bala de borracha na cara do cidadão, sentar o cassetete na cabeça ou sabe lá onde for não dar para simplesmente virar e agradecer: “obrigado pela surra”, no mínimo a reação vai ser de enfrentamento ou de fuga, cada um reage à violência como pode...

Enfim, nessa época assim como no movimento cabano, sem o mecanismo traiçoeiro da vitrine virtual, atraia uma massa popular realmente solidária e consciente do poder transformador de sua unidade heterogênea, façamos como os cabanos e neutralizemos aqueles que querem desestabilizar o movimento, não vamos perder o “bonde” da história, saibamos nos organizar e nos unificar, temos a frente do governo federal uma presidente sim que apesar de todas suas contradições capaz de dialogar com os movimentos sociais, saibamos cobrar de nossos parlamentares posicionamentos diante de questões que estão sendo tão caras à sociedade brasileira, o “massacre” indígena no Belo Monte e em outros estados, o absurdo projeto da cura gay resultado da intervenção do fundamentalismo religioso no congresso nacional, vamos exigir os 100% dos royalties do petróleo para educação, dentre outras pautas tão quanto emergenciais.

Inspiremos-nos em Xangô e na sua simbologia da justiça para que tenhamos sabedoria e maturidade no momento de empunhar o machado ou no recuo para melhor se organizar, lutemos pelo reconhecimento de nossos direitos e pela graça da misericórdia social, afinal esse “carma” é coletivo e para ao menos abrandá-lo, a unidade, o respeito para com aqueles que empunham suas bandeiras nas ruas historicamente e organicidade é preciso.

Para nós paraenses honremos a memória de nossos ancestrais cabanos façamos a “revolução”, aprofundemos os debates de nossas pautas sociais por uma Belém Livre do descaso: saúde, educação, moradia, passe livre estudantil no transporte público, redução da tarifa...encaminhemos a demanda e as contestações aos órgãos competentes . “Negociação e conflito” em tempos de lutas sociais pela força do equilíbrio arquetípico de Xangô sempre venceremos.

 

 Caô, caô cabecilê, Xangô!

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